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Três Belas
por Juliano Guerra
Moravam juntas. 21, 19 e 18 aninhos. As faculdades eram mais ou menos as esperadas: educação física, administração, direito. Digamos que a mais nova gostava de acupuntura e "transas místicas". Boqueteava mal. Tinha colocado um piercing no umbigo e aprendido a cheirar pó uns tempos atrás, com um hippie de Florianópolis. A do meio era gordinha - era a que queria ser advogada - e não dava pra ninguém que não tivesse carro. A mais velha, Lúcia, era maravilhosa e misantropa e sabia cavalgar como ninguém. Elas faziam faculdade particular. O apartamento ficava na Almirante Barroso e era do pai da gorda. Eu ia lá porque elas tinham TV a cabo.
Comprimidos pra emagrecer flutuavam "pelos aposentos" e de vez em quando um guardador de carros devolvia um celular perdido. Lúcia era linda, a gente fodia ao som de Rachmaninnof. Richelle apanhava do colega de faculdade que era campeão de basquete e endinheirado. Ela se escondia pra cheirar pó e de vez em quando me pagava um boquete. A gordinha amanhecia chorando e ligava pro pai estancieiro pra pedir mais grana. Eu vomitava sobre apostilas e absorventes, dormia no chão da sala e, eventualmente, acordava de pau duro. Eu era "tolerado".
Ah, sim. Nos corredores das faculdades corria o boato de que estavam todas grávidas do mesmo cara. "Sei lá, benzinho, a gente podia comprar um hamster, né?" Todo domingo tinha pizza com borda recheada, cocaína, audições de sambistas da antiga e chororô no banheiro. A gorda ameaçava cortar os pulsos e dizia que não tinha amigos. Eu não só achava tudo muito engraçado como incentivava: "Vai lá, gata, corta os pulsos."
O porteiro do prédio tinha tesão nelas todas e ficava inconformado com o meu entra e sai. Botei fogo na Toyota do espancador campeão de basquete, nunca me pegaram. Eu era faz tudo e lambedor de bucetas oficial daquela casa. Não gostava de concorrência e nunca gostei de jogadores de basquete, caras com caminhonetes, universitários em geral e sujeitos mais bonitos que eu. Lúcia tinha me proibido de dormir na sala. Um dia eu tentei agarrar a gordinha. Ela disse que eu era um fodido, achei legal. Fiquei amigo do porteiro tarado e de vez em quando insistia na idéia do hamster. Ninguém me levava a sério, nem eu. De repente me telefonavam pra arrumar o chuveiro ou trocar uma lâmpada. Lúcia botava "Concerto em Dó Menor" pra tocar. Os pais tinham botado um detetive particular na cola dela. Aquilo era um desperdício de dinheiro. Como eu previa, uma delas morreu de AIDS.
Quando eu gozei dentro da Richelle. Universitários broxas tramavam minha morte. Poetinhas de sarau queriam minha caveira. "Red Bull com uísque, benzinho?" Alguém voltava do Chuí com um namorado esquisito, eu aturava. Lúcia me chamava de “puto de bom coração”. Enfim, era tudo muito honesto. Até que Richelle foi esporrada embaixo do chuveiro, de quatro, entupida de cocaína e cerveja do Free Shop. Freiras lésbicas se esfregavam de uma costa à outra.
Bom, eu tava querendo entrar numa biografia do Ruy Castro. Não reconhecia os empacotadores do supermercado. Quando Richelle emprenhou e disse pra Lúcia que era meu. "Chá de Valeriana, gata, chá de Valeriana." O porteiro me dava conselhos: "Dá uns socos na barriga dela..." Podia ser de qualquer um. Um diálogo com o detetive particular:
– Então tu te dá bem com as gurias?
– Muito, elas são gente boa.
– E a Lúcia, o que tu me diz dela?
– Maravilhosa, ótima na cama e muito inteligente. (O detetive engasgava.)
– Elas estão envolvidas com drogas?
– Não sei…
Lúcia lia Ginsberg na cama, me dizia que "não é teu não, tu é estéril". Richelle chorava e o campeão da Toyota incendiada nunca mais deu as caras. Ninguém mais acreditava nos suicídios da gorda e Richelle "ostentava olhos tristes e pesarosos". Eu tentava a sorte no Royal Palace Bingo e tinha um cachorro de rua de estimação, o "Alemão". Um babaca, em suma, com toda aquela bobeira transcendental pra boi dormir e trocando lâmpadas e O.B.s. Até que o fogo subiu pelas paredes e o uísque caubói iniciou a contra-revolução. Sei lá, todo mundo se fodeu. Um belo dia eu fui ao banheiro e tinha uma coisinha boiando na privada. Richelle chorava (mais uma vez, oh Deus!) e pingos de sangue deixavam um rastro entre a sala e o banheiro. Dei um beijo na testa dela, a abracei. Depois voltei, puxei a descarga e fui dormir, sereno como um anjo.

© Juliano Guerra 2008