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Tropa de elite: a alienação como origem da violência
por Rafael Issa

Sinopse: O filme retrata o dia-a-dia do grupo de policiais e do Capitão Nascimento (Wagner Moura), membros do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais). Em 1997, Nascimento quer sair da corporaçcão e tenta encontrar um substituto para seu posto. Paralelamente, dois amigos de infância, que se tornaram policiais, se destacam em seus postos; para acabar com a corrupção na polícia, eles têm o objetivo de entrar para o Bope.
PMs do BOPE, traficantes de drogas e jovens alienados de classe média; o filme Tropa de Elite - obra do diretor José Padilha - apresenta com realismo nu e cru as contradições "típicas" de cada um destes segmentos. Ao mesmo tempo, nos permite compreender que essas contradições "típicas" possuem algo em comum: originam-se de uma mesma realidade contraditória, violenta e - para a grande maioria dos brasileiros - indesvelável em suas causas e mecanismos. Assim sendo, os personagens de Tropa de Elite não surgem como seres bons ou ruins, heróis ou vilões, e sim como indivíduos que projetam em sua existência pessoal a confusão do nosso universo social. Não há romantização do crime, da polícia ou da classe média universitária - nenhum desses segmentos é, em si mesmo, solução. O protagonista Nascimento, capitão da tropa de elite - interpretado pelo ator Wagner Moura - é um militar agressivo, que agride e tortura bandidos impiedosamente; por outro lado, é também retratado como um pai amoroso, dedicado e sensível. O jovem de classe média usuário de drogas é colocado como um hipócrita (pois estimula a guerra entre policiais e traficantes) e ao mesmo tempo como uma vítima (a proibição legal do uso de drogas faz com que um mero consumidor fique sujeito à violência policial e à violência dos traficantes). Naturalmente o espectador acaba não concentrando sua antipatia em um personagem e/ou grupo específico: de vez em quando sente raiva da polícia, de vez em quando sente raiva dos traficantes e de vez em quando sente raiva da classe média juvenil. Com isso, Padilha consegue lapidar uma crítica sólida, não-maniqueísta, realista, profunda, capaz de mostrar que a violência possui diversas facetas e se manifesta de diversas maneiras e em diversos grupos da sociedade.
“Eu sou eu e minha circunstância e se não salvo a ela não salvo a mim". (Ortega y Gasset, "Meditações do Quixote")
Há uma violência a priori, que está na essência da sociedade de classes, desigual e alienada; ela não somente antecede como também estimula o surgimento de traficantes de drogas e PMs corruptos e despreparados. Inseridos em uma realidade que os agride, os personagens de Tropa de Elite andam em círculos, não conseguem superar as circunstâncias adversas; de agredidos pelo sistema, passam a agredir o sistema que lhes agride. Mas essa agressão reativa é vã, incapaz de ferir as estruturas deste sistema e de fazer com que o indivíduo à ele submetido consiga de fato alterar o rumo de sua vida. Os civis permanecem acuados (mas nem por isso inocentados) em meio à este fogo cruzado, policiais matam e morrem, traficantes matam e morrem - e os pilares de nossa sociedade desigual permanecem intactos; isso se dá porque a violência-reativa (do PM e do bandido) é alienada. Alienada, a reação-violenta se limita a ser uma projeção da violência a priori. Assim, esta violência a priori não é enfrentada e nem superada, mas simplesmente projetada, de forma inconsciente, cega, inútil e onerosa para aquele que está reagindo. A polícia é o braço do estado. Entretanto, é preciso lembrar que boa parte dos seus integrantes são indivíduos desgraçados, que sofrem. Ou seja, o policial pobre e/ou ignorante é também um oprimido - um oprimido alienado portador de uma certa autoridade; e é desta maneira que pode se constituir o PM ruim. Ao não compreender o que está por trás de tudo o que está aí, os homens não se voltam contra o sistema, e sim uns contra os outros, pelas circunstâncias criadas pela sociedade de classes, que não se modifica. E quanto mais o indivíduo se aliena, mais ele se condiciona, mais ele se deixa levar por essas circunstâncias desfavoráveis; e então ele embrutece, se desumaniza, suas boas intenções são deixadas de lado, seus sonhos são engolidos pelo contexto. Signos surgem de maneira desordenada em Tropa de Elite: Vigiar e Punir de Michel Foucalt, Marx e Freud na lousa de uma aula de Sociologia, um traficante com uma camiseta do Che Guevara, cartazes de políticos em campanha ao fundo da imagem. Os personagens de Padilha são incapazes de perceber esses signos ao redor e dar-lhes o seu real significado. é a partir daí que o filme desenvolve o conceito de unidimensionalidade; o policial vê o mundo com os olhos de um policial, o traficante vê o mundo com os olhos de um traficante e o universitário vê o mundo com os olhos de um universitário. Para o universitário-esquerdista-clichê-consumidor-de-drogas, com sua questionável cultura shining happy people, todo policial é desonesto e truculento; para o policial truculento e limitado, que com sua burrice fará jorrar sangue demais, todo consumidor de drogas é um bandido - é a visão unilateral. Cada segmento é dotado de uma ética própria, particular, mas igualmente influenciada por uma existência em sociedade a priori - a mesma sociedade. São éticas diferentes entre si, mas que se igualam em seu alto grau de superficialidade, confusão e contraditoriedade. Ser um policial fraco, covarde e desonesto é algo moralmente reprovável na ética do capitão Nascimento. Torturar bandidos e usuários de drogas não; é a ética distorcida. A filósofa Hannah Arendt - em sua obra Eichmann em Jerusalém - chama a atenção para a questão da banalidade do mal. Eichmann é um carrasco nazista. Ele age de forma violenta não por querer fazer o mal, mas sim por fazer o mal e acreditar que está fazendo o bem. O mal não é - neste caso - realizado em nome do mal; é viabilizado pela alienação, pela ignorância, pela ausência de uma ética fortalecida e de uma profunda percepção da realidade circundante.
"O homem pode, ao seu favor, inverter os pólos do dilema: buscar a sociedade da natureza para meditar, nela, sobre a natureza da sociedade". (Levi Strauss, "Antropologia Estrutural")
Qual é a causa de toda essa violência? O meio em que vivemos estimula a violência? Proibir o uso de drogas é o melhor caminho a seguir? Essas são algumas dentre as perguntas que o longa de Padilha pretende despertar. Tropa de Elite não é - como muitos críticos tem surpreendentemente dito por aí - uma ode à repressão policial. Não pretende estimular o pensamento conservador, neofascista. Deixar-se levar por este tipo de interpretação é cair na mesma unidimensionalidade que o filme indiretamente critica. Muitos certamente não irão compreender que Tropa de Elite é muito melhor do que parece. Essa incompreensão se dará mesmo entre aqueles que já se dizem fãs do filme. Tal distorção também relaciona-se com a questão da violência; trazemos na alma uma violência que foi internalizada. Ela nos faz entrar em contato com roteiros dessa espécie de maneira fetichizada, hipócrita, como se não participássemos - de alguma maneira - dessa violência gritante. Mas nós participamos - também pela incompreensão. A incompreensão é a própria violência; sofrida e incorporada. Filmes realistas são difíceis de se compreender plenamente, pois a realidade é - em si mesma - difícil de ser compreendida. Nos falta desvelamento. Tudo fica bem menos complexo quando se tenta submeter o mundo à uma ótica maniqueísta. Mas Tropa de Elite mostra a realidade tal como ela é feita. Sua crítica é ao todo social, sobretudo ao contexto que permitiu o proliferamento de diversos tipos de violência. Apresenta a dupla face do ser humano: o ser utópico, que busca a honestidade em um mundo desonesto, que busca a poesia em um mundo violento e o ser condicionado, que simplesmente se deixa levar e se degenera. Não lida com vítimas e carrascos porque todos são, ao mesmo tempo, vítimas e carrascos - vítimas de um sistema carrasco, que nos faz vítimas e carrascos. O traficante tortura e é torturado, o policial tortura e é abatido, o consumidor consome e é consumido. Escancara a violência não para que admiremos a violência, mas sim para que pensemos ao seu respeito, de forma crítica e profunda. Tropa de Elite aponta a arma para o rosto do espectador.
© Rafael Issa 2007
Arte por Andy Razor © Andy Razor 2007 Deviant Art