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Aconteceu num dia quente de verão
por Luiz Mendes Junior

Felipe não sabia que horas eram enquanto perdia da memória o sonho que mal terminara. Sua mente despertava para algo real. Uma segunda feira cheia de compromissos no escritório de advocacia do Dr. Oliveira.
Sabia de seu atraso, sabia do que teria de ouvir dos lábios de seu tutor e do estresse que prometia esse dia cheio de serviços acumulados. Só ignorava as horas e o porquê do despertador não ter tocado.
O relógio Herweg, semelhante aos dos desenhos animados, acordaria um urso no auge da hibernação e nunca havia falhado. Desde que adquiriu o aparelho, passou a entender os motivos por trás das loucuras do pica-pau e da pantera cor de rosa que deviam comprá-los por atacado visto que sempre quebravam um quando acordavam de mau humor. Se fosse rico na profissão que pretendia exercer, iria adquirir esse hábito também. A sensação de destruir um desses ou um cuco talvez superasse seus melhores orgasmos.
Finalmente abriu os olhos. Seus movimentos seguintes foram automáticos: espreguiçar-se, tirar o lençol, ficar de pé, ir até a escrivaninha, olhar o despertador que marcava seis e quarenta... espere um pouco! Ele tinha de acordar às sete! Isso significava que não estava atrasado e sim que levantara mais cedo. Alívio total, não escutaria desaforos. Tinha o tempo a seu favor.
Uma última conferida no relógio digital do microsystem e... o mostrador estava apagado. Não entendeu. Tentou ligar o rádio, sem luz? Tentou a televisão que também não funcionou. Dali a algumas horas a energia voltaria com certeza.
Abriu o armário e trocou de roupa sem olhar o espelho. Sua mente estava a alguns quilômetros dali, num pequeno escritório da avenida Rio Branco.
Penteou-se displicentemente, foi até a cozinha, pensou em preparar o café, desistiu. Aproveitaria o tempo de sobra com uma das deliciosas esfihas do bar quilombo a duas quadras de distância. Foi ao banheiro, lavou as mãos, o rosto, uma escovada nos dentes e uma nova ajeitada no cabelo. Resolveu urinar. Lavou as mãos de novo, pensou nas chaves mas... sua mãe deveria estar acordada a esta hora. Deu uma conferida no quarto dos pais. Vazio. Percebeu que estava sozinho no apartamento, provavelmente algum imprevisto os tirara da cama mais cedo.
Pegou as chaves com o dinheiro que precisava, celular, documentos, papelada do escritório e saiu.
Pensou no porteiro que detestava enquanto atravessava o corredor. Teria de cruzar com ele de qualquer forma; melhor fingir que não existia. Pegou as escadas e em segundos estava na portaria do prédio.
Olhava fixamente para frente ao dirigir-se às portas de vidro. O funcionário se encarregaria de abrí-las. Não ouvindo a campainha da porta ao se aproximar, virou-se furioso para um porteiro ausente de sua função.
A cadeira do homem estava vazia assim como a saleta que formava a portaria do prédio. À frente da cadeira, apenas uma mesa com um pequeno televisor, interfone, telefone e mais alguns botões. Usou a chave.
Atravessou o pequeno jardim que forma a fachada do edifício onde reside e andou pela calçada de um dos bairros mais tranqüilos da zona sul do Rio de janeiro. Pensava se deveria delatar a ausência do porteiro e se isso realmente complicaria a situação do homem junto à associação de moradores. Talvez o funcionário tivesse apenas se encaminhado ao banheiro, mas poderia ao menos deixar um aviso. "Ele que apronte comigo de novo!" matutou o rapaz antes de se perguntar por onde andariam os assíduos praticantes de Cooper ou os lutadores de jiu-jitsu com seus pit-bulls. Nem os andarilhos de meia idade se encontravam nas ruas a essa hora. O bairro, que já era bem calmo, virou um cemitério. Mas isso deveria mudar logo, já que o céu anunciava um dia quente.
O futuro advogado apreciava o silêncio mais do que a maioria dos jovens de sua idade. Era pouco chegado a badalações e noitadas preferindo passar os fins de semana na casa da namorada. Gostava do sítio dos pais perto de Friburgo onde costumava ir nos feriados. Em dias úteis, dava quase que total importância a estudos, tarefas de escritório, leituras sobre direito e clássicos de Mozart. Estava de férias da faculdade, mas o estágio exigia uma certa dedicação e duplicara sua demanda esse mês. A educação e as influências que o rapaz recebeu o ajudariam a se tornar um sujeito que muitos consideravam prepotente.

Chegou faminto ao bar quilombo, que se encontrava fechado, assim como outros estabelecimentos ao redor. Esquecera-se de que o boteco abria às oito. O jeito era esperar pelo ônibus e deixar para comer quando estivesse no centro da cidade.
Permaneceu no ponto por três minutos até que se deu conta de que não vira veículos passarem por qualquer das ruas que seguiu. Também não avistara pessoas ou animais em parte alguma e o silêncio era absoluto. Nenhum som era emitido até onde seus ouvidos podiam captar.
Jamais havia presenciado algo dessa magnitude. Estariam todos ainda dormindo, inclusive os animais? Algum alerta teria sido emitido minutos antes de acordar? Pensou na falta de luz, na ausência dos pais e na situação estranha das ruas que atravessara. Esperou mais um pouco até decidir ligar para um conhecido.
Seu celular estava mudo, assim como o telefone do orelhão. Andou mais um pouco, olhou ao redor, bisbilhotou. Nada. Tudo parado. Tudo fechado. Nenhuma criatura nas proximidades. Aquilo estava esquisito demais, parecia até um episódio daqueles seriados de ficção científica que detestava. Achou outro orelhão. Mudo. Tentou um terceiro. Mudo também.
Parou e pensou no que fazer. Haveria uma explicação bastante racional para esse estranho evento. Talvez algum acidente químico tivesse feito a população das proximidades evacuar a área, mas por que apenas ele ficara só? Não fazia muito sentido. Imaginou a possibilidade de uma mega pegadinha, mas isso fazia ainda menos sentido. Agarrou-se então na versão aparentemente mais plausível: Tudo não passaria de um sonho. O sonho mais real e esquisito que já teve. Decidiu se beliscar, morder, deu tapas no próprio rosto e, como não acordou, achou melhor voltar ao apartamento e esperar que o tempo desse as respostas.
Em poucos instantes, estava de volta ao quarto sem ter visto o porteiro, seus pais ou alguém. Silêncio quase absoluto à exceção do despertador que marcava sete horas e quarenta minutos, indicando já ter acionado seu alarme.
Ao dar mais corda no relógio percebeu que o céu também mudara, fazendo jus ao horário descrito no aparelho. Pelo menos a possibilidade de ter ficado preso no tempo estava parcialmente descartada.
Foi então que sentiu um gelo na espinha. O medo começava a querer se apossar de uma mente que até então resistia bem a qualquer estado de desequilíbrio. Sua calma natural aliada à disciplina mental, aprendida na educação relativamente rígida que experimentara e nos poucos anos de faculdade e familiarização com a carreira que almejava exercer, já não conseguia mais conter seus pensamentos.
Começava a sentir-se inseguro, desconfortável. Colocou o telefone perto da cama e trancou a porta do quarto, após fechar todas as janelas do apartamento. Tentou várias ligações do seu telefone fixo e do celular. Tudo mudo. O tic-tac do relógio era o único som presente.
Deu mais corda, programou o despertador para as três da tarde e decidiu tirar um cochilo. Talvez isso o fizesse acordar desse pesadelo e, se não, ao menos aceleraria o tempo.
Demorou a pegar no sono, acordando logo em seguida com o alarme. Pensou em encarnar o pica-pau, mas desistiu. Lembrou-se da situação por que passara e que o Herweg poderia ser seu único contato com o presente. O relógio ainda funcionava e despertara no horário previsto. Percebeu que não dormira tão pouco afinal.
Abriu a janela, talvez tudo tivesse voltado ao normal. Decepção. Nada de gente, nada de carros passando, nada de som e nada da luz voltar.
O silêncio que tanto adorara durante a vida se tornou um martírio infernal. Destrancou o quarto e verificou o apartamento. Não havia uma alma. O corredor também estava vazio.
Resolveu bater à porta dos vizinhos. Nenhum parecia estar em casa. Começou a espernear. Aquilo ficava realmente sério. Felipe gritava por socorro enquanto acionava um dos alarmes de incêndio do prédio, que funcionava por baterias.
O silêncio se rompera. Quem sabe alguém do corpo de bombeiros estivesse nas redondezas? Qualquer um nas proximidades poderia ouvir o estrondoso mecanismo recém acionado. As coisas finalmente começariam a mudar? O rapaz ia permanecer de pé no corredor à espera de alguém por mais uma hora e meia até que, sem razão aparente, o alarme cessou. O silêncio podia reiniciar sua tortura.
Voltou para o quarto após fracassadas tentativas de arrombar a porta de um dos vizinhos. Olhou o céu que ainda exibia um sol vívido enquanto divagava em como proceder nos minutos seguintes. Fechou os olhos. Tentou controlar o pânico. Concentrou-se. O que faria? Que opções tinha em mãos? Talvez o carro dos pais ainda estivesse no estacionamento, mas a garagem automática abriria? Pensaria nisso depois. Matutou mais um pouco. Quem sabe algo mais prático? Claro! Por que não? Era tão simples! Por que não pensara nisso anteriormente? Levantou-se, abriu o armário, revirou caixas e mais caixas, puxou gavetas, verificou, talvez estivesse por ali. Fazia tempo que não o usava. Procurou mais. Debaixo da cama. No quarto dos pais. No quarto que já pertenceu à irmã, agora casada. Minutos se passaram até que finalmente encontrou o que queria.
